A Invenção do Amor - José Ovejero

"Deixo-me ficar discretamente junto à porta, intimidado pela minha condição de intruso num luto ao qual nada mais me une além do desejo de sentir também eu próprio a emoção intensa que uma perda indubitavelmente provoca."
'A Invenção do Amor, José Ovejero'

É tão bom quando os livros nos arrepiam por nos serem tão próxios - por nos conseguirmos identificar com as personagens, por deixarmos que as sensações passem para nós. 'A Invenção do Amor' é um desses livros: queremos sempre conhecer a pessoa por detrás da máscara, mas também queremos que consiga manter o disfarce para descobrirmos até onde pode ir uma história de falsa identidade - que não existe se não para lhe dar uma identidade verdadeira.

Samuel é de facto Samuel, mas não aquele para o qual desejava ligar o homem do outro lado da linha, para dizer que a sua (do outro Samuel) tinha falecido e que ele deveria gostar de saber. A partir dessa chamada, sem saber bem porquê, Samuel (o que vamos acompanhar) assume a identidade do outro e conhece uma vida que não é a sua, que lhe oferece momentos tristes de perda e dor, e que ao mesmo tempo lhe dá a conhecer novas possibilidades para a sua - talvez pouco interessante? - vida.


Foi o meu primeiro contacto com Ovejero - e por acaso, diga-se, já que ganhei o livro num passatempo da Editora Objectiva. Valeu a curta pesquisa para dar a resposta correcta. É um livro cheio de vida, num homem que parece ter perdido a vontade de viver. Até este acontecimento funesto lhe dar uma oportunidade de começar de novo, quase, como um novo homem. um homem diferente, pior que ele, até, em termos de história e valores, em termos de concretização talvez - mas que de alguma forma lhe dava a oportunidade de mostrar que ainda não era tarde para ser alguém, para ser feliz.

É o que acontece quando conhece Carina, que percebe ser o oposto da irmã Clara. Daí que o primeiro contacto com ela seja estranho e nem sempre tenham a relação mais próxima. De certa forma, o fascínio que desenvolve por uma Clara que nunca conheceu contrasta positivamente com o fascínio real que desenvolve por Carina, uma mulher que sofreu, que viveu muito já, e que acaba por se encontrar próxima de Samuel neste momento da sua vida. Uma mulher que, no fundo, também procura uma razão para viver.

Encontram-na um no outro, na dor, nas memórias, em Clara, até. É estranha a forma como acompanhamos o desenrolar desta relação e mesmo da vida do 'novo' Samuel, que se descola do verdadeiro e se cola ao falso, mas que como falso acaba por conseguir ser mais verdadeiro do que costumava ser. O final é o culminar desta 'aventura', através de uma mentira que poderia ter tido (e poderá ter, no tempo futuro da obra) consequências totalmente indesejáveis - mas para a qual imaginamos a história mais bonita e verdadeira de descoberta do 'eu'.

Por muito cliché que seja, quem nunca imaginou ser outra pessoa, ainda que por um dia? Ovejero cria toda esta narrativa em volta da ideia de que, por muito más que sejam as vidas dos outros, são sempre mais aliciantes. E, no entanto, o que acontece é esta transformação da verdade na mentira e vice-versa, que nos rende completamente à beleza da história. E que nos mostra que é muito mais do que essa ideia simplista que poderíamos ter inicialmente dela.

P.S. - fico contente por escrever isto mais de um mês depois de ler o livro e conseguir ainda sentir o que ele me fez sentir ao ler cada página. Inventa-se o amor, estas sensações não se esquecem.


"Quando estamos apaixonados por alguém, também somos infelizes. Porque não estamos sempre juntos, ou porque num dado momento sentimos a falta dela, ou porque nunca podemos ter a certeza de gosta tanto de nós como nós dela, enfim, tudo isto soa a pirosice, mas não faz diferença: uma das coisas mais bonitas do amor é a infelicidade que provoca, porque nos faz sentir com maior intensidade quem somos e quem gostaríamos de ser."

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