Um Escritor Apresenta-se - Vergílio Ferreira

"Alegrias? Dificuldades? A maior alegria de que me lembro, é a de estar vivo; e a maior dificuldade também." 
'Um Escritor Apresenta-se', Vergílio Ferreira

Haverá melhor forma de conhecer um autor (um homem) que não através da sua própria palavra? Vergílio Ferreira escreveu uma série de diários, embora diga sempre que nunca conseguiu mantê-los, que nos oferecem uma visão bastante interessante da sua vida, das suas opiniões, dos locais por onde passou e dos autores e correntes que o foram influenciando. Esta obra, a par de tudo o que escreveu espontaneamente, vem acrescentar ainda mais conhecimento sobre a sua pessoa.

'Vergílio Ferreira responde' - podia ser outro título desta obra, que no fundo compila as suas respostas a algumas questões bastante interessantes: Deus, o existencialismo, os seus livros, questões políticas, etc. Vergílio Ferreira - o homem e o humanista - apresenta-se, de facto, nestas páginas, por vezes repetindo-se (como é normal em entrevistas - e até mostra um equilíbrio e uma certa sinceridade), por outras mostrando como o que tantas vezes nos diz sobre a sua mudança de perspectiva, de tom, de corrente literária se manifesta também numa evolução de convicções e crenças, com a passagem do tempo.


Li-o por motivos académicos, mas com um enorme interesse pessoal em conhecer melhor o autor que me tem vindo a apaixonar a cada palavra escrita, a cada frase dita do fundo do seu coração. E foi também surpreendente perceber como a obra em que me foco na dissertação de mestrado, a 'Manhã Submersa', sem dúvida uma das mais badaladas, é quase menosprezada por ele, na medida em que mal é enunciada e que, talvez por ter sido adoptada como visão oposta ao regime (quando, a seu ver, foi apenas uma obra catártica - por ser a história do seu passado), não lhe seja tão querida.

Apesar disso, esta série de respostas cativou-me. Era um homem extraordinário, com uma enorme capacidade para absorver todo o tipo de aprendizagens, de tomar consciência das coisas que o rodeavam no mundo, e de tomar posições, ter opiniões e ao mesmo tempo não se deixar ficar pela primeira impressão que lhe vinha à cabeça - reflectia, produzia uma opinião e, sempre que necessário, alterava-a com o conhecimento que ia obtendo sobre o assunto. Fascina-me a forma quase mágica como tudo isto parecia acontecer, sabendo, ao mesmo tempo, que o processo era bastante mais complexo do que toda a sua lucidez parece mostrar.

Mais um livro que, não sendo ficção nem sendo propriamente académico, conseguiu entrar no melhor dos dois mundos e ensinar-me um bocadinho mais sobre a vida. Afinal, não é para isso que lemos, que estudamos, que vivemos?

P.S. - As Bibliotecas de Lisboa (BLX) são as minhas novas melhores amigas.

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