Da Terra à Lua - Júlio Verne

"Chegara o primeiro dia de Dezembro, dia fatal, porque se a partida do projéctil se não efectuasse naquela mesma noite, às dez horas, quarenta e seis minutos e quarenta segundos, mais de dezoito anos haviam de decorrer antes que a Lua volvesse a apresentar-se nas mesmas condições simultâneas de zénite e perigeu".
'Da Terra à Lua', Júlio Verne

Que era um homem à frente do seu tempo, já o sabíamos. Mas Júlio Verne surpreende a cada leitura, com o seu humor apurado e uma imaginação de chorar por mais. Este 'Da Terra à Lua', de 1865, quando pouco se sabia sobre o universo e os progressos da ciência, é mais uma das suas Viagens Extraordinárias que influenciaram os primeiros anos de cinema, nomeadamente Méliès e o seu 'La Voyage dans la Lune'. E as coincidências com a verdadeira viagem ao satélite do planeta Terra, em 1969, são assustadoramente curiosas!

Tudo começou após a Guerra Civil dos EUA, depois da qual parecia não haver possibilidade de guerra com outras nações. Mas os membros do Gun-Club não queriam nem podiam ficar parados, pelo que o Presidente Barbicane teve a ideia extraordinária de enviar um projéctil à Lua e cativou imediatamente os seus apoiantes. Depois da oposição do seu rival Nicholl e da ideia megalómana do francês Ardan, que se ofereceu para tripular a 'nave', a obra acompanha toda a preparação do canhão e as relações entre as personagens principais.


É interessante ter sido a inspiração de Méliès, sobretudo porque permite conhecer mais a fundo, científica e tecnicamente, mesmo como se processaria esta viagem. Os pormenores são talvez exagerados para um leigo que leia o livro para seu divertimento, embora não deixe de ser educativo. Apostando na ideia de selenomania que afectou posteriormente todo o povo americano (e um pouco por todo o mundo), nós próprios ficamos desejosos de saber como é possível esta viagem, queremos ser também tripulantes do canhão e saber o que lá podíamos encontrar.

Esta dimensão de loucura (mais ou menos saudável) está muito presente nestas três personagens, que ao longo da obra se nos vão dando a conhecer. São três homens destemidos, que acreditam que nada é impossível, embora sejam homens de ciência. E isso é interessante: é como se eles tornassem este impossível possível; como se a ciência os apoiasse nisso.

E depois temos uma tentativa (bem conseguida) de ridicularizar, de certa forma, os americanos, com a sua necessidade de guerra constante, a impossibilidade de a indústria do armamento evoluir sem haver um conflito para o qual trabalhar - uma espécie de objectivo. Daí que a ideia da Lua tenha sido tão bem acolhida. Mas Júlio Verne ridiculariza-os através de uma imagem muito positiva que acaba por passar, de que os EUA são pioneiros em tudo, de que são patrióticos; de que tudo pode ser feito em terreno norte-americano e deve sê-lo, porque 'somos bons e não precisamos de ajuda exterior'. É curioso que Michel Ardan seja um bocadinho o quebrar dessa mania da superioridade, permitindo os restantes a participação no projecto de um francês idiota (no bom sentido).

'Da Terra à Lua' é uma viagem até ao próprio projéctil, uma espécie de saga sobre a sua construção. A verdadeira viagem, essa, ao que parece é retratada na sequela, 'À Volta da Lua', que fiquei bastante curiosa de ler depois deste 'prólogo', se assim o quisermos chamar. Mais uma boa aquisição da Feira da Ladra, uma edição bem bonita da Bertrand, algures do século XIX :)

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